segunda-feira, 29 de maio de 2017

UMA NANICA AUDACIOSA: UMA EMPRESA BRASILEIRA ENFRENTOU A APPLE (E PERDEU...)

Em 1984 o governo federal implementou a Política Nacional de Informática, que proibia a importação de   microcomputadores, com o objetivo de incentivar a fabricação nacional; os projetos de fabricação deveriam ser analisados e aprovados pela SEI - Secretaria Especial de Informática, órgão que tinha status de ministério. O resultado foi lamentável: micros passaram a ser montados aqui com componentes contrabandeados, pouquíssimo aconteceu em termos de desenvolvimento tecnológico e de pessoal e as empresas pagavam caro por equipamentos de qualidade duvidosa. Surgiram expressões novas, como "mercado cinza" e  "executivo de fronteira", para designar esse ambiente e os que nele operavam. 

Nesse cenário, a Unitron, uma empresa brasileira tentou uma jogada audaciosa: clonar o Macintosh, à época o mais poderoso micro da Apple e que era chamado Fat Mac. 

O original ou o clone? 

Baseada em engenharia reversa (que poderíamos chamar simplesmente de cópia), a empresa    apresentou à  SEI em 1985 um projeto visando a produzir um clone do Fat Mac, que chamaria de Mac 512. Obteve uma linha de crédito bancária, o apoio de um laboratório governamental (o CTI — Centro de Tecnologia da Informação) e contratou serviços de desenvolvimento de chips no exterior. Nesse mesmo ano, dois protótipos foram exibidos em seu stand na Feira Nacional de Informática. Como o projeto havia começado havia pouquíssimo tempo, suspeita-se que uma das máquinas exibidas ao público (a uma distância segura), e que executava vários programas para o Macintosh, era na verdade um Mac original, e não um clone - eles eram muito parecidos. A outra máquina, desligada e aberta para que suas partes internas pudessem ser vistas, provavelmente era mesmo um protótipo.

Em 1986, na mesma Feira Nacional de Informática, a Unitron exibiu mais  protótipos, e parecia óbvio que havia conseguido reproduzir o Mac. Na época, a Unitron queixava-se de que a SEI estava dificultando a importação dos drives de disquetes de 3" 1/2 e exigia que em vez deles, fossem usados os obsoletos drives de 5" 1/4 fabricados no Brasil. A Unitron recusou-se a acatar a orientação e decidiu ela mesma fabricar os drives, uma verdadeira proeza para uma empresa da periferia paulista com menos de 100 empregados; fica a dúvida: será que fabricou ou acionou "executivos de fronteira"?

Em 1987,  a Unitron já oferecia suas máquinas ao mercado; o preço era 700 OTN, cerca de R$ 45 mil de hoje (era tempo de inflação alta e usavam-se índices para converter diariamente os preços à moeda corrente). Nessa época, a Apple Computer decidiu que a história já havia ido longe demais e resolveu contra-atacar: dois Mac 512 (obtidos não se sabe bem como) foram levados para a sede da empresa, em Cupertino e desmontados para estudo. As semelhanças entre essa máquina e a Fat Mac deu a Apple um forte argumento para fazer com que o governo dos Estados Unidos se posicionasse contra uma empresa "pirata".

Por pressão do governo americano, que ameaçou impor barreiras aos produtos de exportação brasileiros (particularmente suco de laranja e sapatos), em 1988 a SEI indeferiu definitivamente o projeto do Mac, alegando que "a Unitron havia começado a comercialização do produto antes de sua aprovação final". 

A Unitron continuou a lutar apresentando novos projetos e indo à Justiça, mas acabou derrotada; reduziu o quadro de funcionários e passou a se dedicar à fabricação de outros produtos.