quarta-feira, 2 de maio de 2018

INTERNET: “451” É O CÓDIGO QUE INFORMARÁ QUE O CONTEÚDO BUSCADO ESTÁ INACESSÍVEL POR ORDEM JUDICIAL

Demi Getschko (foto ao lado), cientista da computação  que é considerado um dos pioneiros da Internet no Brasil, publicou recentemente em O Estado de S. Paulo texto lembrando que em  1953 Ray Bradbury, um cultuado escritor de ficção científica, terminou Fahrenheit 451, seu livro mais conhecido
É a 451 graus Fahrenheit de temperatura que o papel pega fogo. Bradbury trata de uma sociedade em que a “felicidade” é conseguida pela proibição de leitura de livros. Sem a influência “nefasta” dos livros – que fazem pensar, sentir, chorar – os habitantes, idiotizados, se divertem participando de “famílias virtuais”, compostas por inúmeros “primos” que, a partir de monitores de TV, trazem diversão anódina e a sensação de pertencimento. Para completar o quadro há, é lógico, uso intenso de pílulas estimulantes e soporíferos. 
Montag, o personagem principal, é “bombeiro” numa época em que sua a função não é mais apagar chamas em casas incendiadas mas, ao contrário, de procurar (e queimar) livros dos que, desafiando a lei, continuam a guardar exemplares para leitura.
Mildred, mulher de Montag, está perfeitamente adaptada ao modo de vida, mas Montag começa a se interessar por aquilo que queima, e tem crescente inquietação e dúvidas sobre o que seria “ser feliz”. 
Anos antes, em “Admirável Mundo Novo” (Aldous Huxley) livros eram irrelevantes por “inúteis”, e em “1984” (George Orwell) são proibidos por serem “nocivos” - essa obra lançou a expressão "Big Brother", hoje também um programa de TV seguido por milhões de pessoas idiotizadas. Fahrenheit 451 consegue juntar essas duas visões e, de quebra, trazer uma dura sensação de profecia realizada.
Mas, voltando ao título do post: todos já recebemos alguma vez, ao consultar um sítio na web, o detestável "HTTP ERROR 404 NOT FOUND". É parte de uma família de mensagens de erro (de 400 a 499) associadas ao protocolo de transferência de hipertexto (http). 
Nem todos os números do segmento estão em uso e, recentemente, mais um foi definido: o 451, significando “conteúdo indisponível por razões legais”. Com o aumento de pedidos de remoção de conteúdo por órgãos de justiça de muitos países, achou-se que valia a pena discriminar o motivo da indisponibilidade. 
De forma inteligente e algo matreira, foi escolhido 451 - os responsáveis pela escolha agradecem a Bradbury pela inspiração...
Há certamente razões sólidas que justificariam a remoção de algo da rede. Mas sempre resta um travo, amargo, que associa eliminação de um conteúdo com a memória de ações indignas e deploráveis, como as que serviram de inspiração para Bradbury escrever sobre queima de livros. 
Se, por um lado, bits não pegam fogo mas podem ser facilmente apagados, buscando-se de boa fé eliminar conteúdo nocivo da rede e torná-la mais segura, por outro, e especialmente no caso de abusos em regimes menos abertos, pode-se estar pavimentando a estrada da censura e da discriminação. 
Em 1966 o celebrado diretor de cinema François Truffaut levou “Fahrenheit 451” às telas. Vale a pena reler e rever.