Num passado muito remoto, lá pelos anos sessenta do século passado, as crianças estudavam latim – e vejam bem: naquilo que se chamava primeira série do Ginásio, e que hoje creio seja a quinta série, série a que normalmente se chegava aos onze anos!
Um dos
livros mais utilizados para o ensino do latim, era o “C. Ivli Caesaris Commentariorvm
De Bello Gallico“, ou “Comentários de Caio Júlio César sobre as Guerras na
Gália”, mais conhecido entre nós alunos (sim, eu era um deles), como “De Bello Gallico”; esse Júlio César era o próprio, o
imperador Romano.
Imaginem
como se sentia um garoto ao abrir a primeira página do livro, e descobrindo
logo de saída que “Gallia est
omnis divisa in partes tres, quarum unam incolunt Belgae, aliam Aquitani,
tertiam qui ipsorum lingua Celtae, nostra Galli appellantur” – em bom
português, “A Gália é dividida em três partes, uma habitada pelos Belgas, outra
pelos Aquitânios e a terceira por aqueles que em sua língua são chamados Celtas
e na nossa Gauleses” – e sabendo que era de muito bom tom decorar pelo menos
essa parte. Até hoje me lembro do sorriso bondoso de meu
primeiro professor de latim, o “Frater” André diante do meu pânico ao saber que
com ele havia tirado minha primeira “nota vermelha”...
A Gália era dominada pelos
Romanos, e cobria uma área hoje constituída por algo como o norte da Itália,
partes da Suíça, França, Bélgica, Alemanha, etc. Sua fronteira com as terras
dos “bárbaros”, ao leste, era o Rio Reno. No ano 58 A.C., muitos dos povos da
área começaram a se revoltar contra os
Romanos, iniciando aquelas que foram chamadas “as Guerras na Gália” e que são descritas no livro - é nesse contexto que estão ambientadas as aventuras de Asterix.
Mais do que guerras tratavam-se de revoltas mais ou menos localizadas,
ora de alguns povos contra os Romanos, ora entre povos da área, com os Romanos
apoiando um dos lados, ora contra os “bárbaros”.
Em um de seus capítulos, o livro
narra que alguns bárbaros cruzaram o Reno e atacaram povoados gauleses aliados dos Romanos, e
estes, comandados pessoalmente por César, que estava na região, resolveram
retaliar, atravessando o rio e procurando dar um exemplo aos atacantes.
Não há certeza, mas creio que
o rio foi cruzado na altura do que hoje é a cidade de Bonn, na Alemanha. Com um
detalhe: não se julgou digno que o Imperador atravessasse o rio utilizando um
barco – para isso construiu-se uma ponte. Nessa área, a largura do rio é de
várias centenas de metros; os Romanos construíram uma ponte de madeira, e
paralela a ela uma barreira de troncos, para evitar que barcos em chamas
lançados pelo inimigo pudessem descer a correnteza e atingir a ponte. Cruzado o
Reno, caçados alguns bárbaros, destruídos alguns rebanhos e aldeias, os Romanos
atravessaram novamente o rio e destruíram a ponte.
Mas a ideia não é discutir o latim ou as guerras, mas sim
alguma coisa que ao ler o “De Bello Gallico” (desta vez em inglês, pois meu
latim nunca foi suficiente para enfrentar o original) me impressionou: alguém
consegue dizer em quanto tempo se construiu a dita ponte? Algumas centenas de
metros de comprimento, mais a barreira de troncos, num rio profundo, por onde
hoje navegam grandes navios e tecnologia de dois mil anos atras. Provavelmente só lendo o livro: do momento em que
se decidiu a construção até o cruzamento do rio (houve necessidade de cortar as
árvores, preparar as tábuas para o piso, etc.) passaram-se exatamente dez (isso
mesmo, dez) dias – dias e não semanas ou meses, e sem serras elétricas,
tratores, guindastes, software para gerenciamento de projetos, etc!
Hoje, na vida empresarial, ao
tomarmos conhecimento dos prazos que nos são pedidos, especialmente para o
desenvolvimento de projetos envolvendo Tecnologia da Informação, frequentemente
ficamos chocados. Obviamente não se
pretende construir uma ponte sobre o Reno
em dez dias, mas certamente uma análise mais fria dos cronogramas,
eliminando tarefas não essenciais, aperfeiçoando processos, checando os prazos,
etc., pode gerar grande economia de tempo e dinheiro, mantendo-nos competitivos
e permitindo-nos aproveitar melhor as “janelas de mercado” que se nos oferecem.
Cabe lembrar o mote: KISS – “Keep It
Simple, Stupid”, ou correr o risco de quando a ponte ficar pronta, já não ser
mais necessário cruzar o rio....
E a contribuição do Prof. Laércio Cruvinel, lembrando-nos o mote da forma que poderia ter sido colocado pelos romanos: custodiunt illud simplex, stultus.