Pela relevância do tema, reproduzimos aqui texto do jornalista Pedro Dória, publicado n'O Estado de S. Paulo de hoje:
Pokémon Go é bem mais importante do que a febre pelas ruas parece
sugerir. É o primeiro contato que a maioria de nós terá com a realidade
aumentada (RA). Esta tecnologia, que permite incluir objetos virtuais no mundo
real, é potencialmente revolucionária. Sim: revolucionário é um termo abusado
nas coisas digitais. Só que neste caso não há exagero. O que há, isto sim, é
uma incrível dificuldade de juntar as possibilidades tecnológicas com o mundo
real.
Pokémon Go não é o primeiro jogo de RA. Alguns aventureiros de primeira
hora empolgaram-se, há três anos, com Ingress, um game criado pela Niantic, à
época subsidiária do Google. Jamais decolou. Mas era, essencialmente, um
Pokémon Go. Não é à toa que a mesma Niantic fez o novo jogo sob encomenda da
Nintendo.
Dispare o jogo no celular e a tela mostra o ambiente à sua
frente. A diferença é que ele inclui Pokémons para caçar. As aplicações reais
do conceito são transformadoras. A mais óbvia é um GPS. Ao invés de celular com
um mapa, use óculos de realidade aumentada. As setas aparecem na própria rua. É
só o início.
Na Bienal de Arquitetura de Veneza, deste ano, o arquiteto Greg Lynn
falou de sua experiência com o HoloLens, óculos que a Microsoft está
desenvolvendo. Com o projeto pronto em 3D, ele pode ver o prédio de pé onde só
há terreno. Com os mesmos óculos, um mestre de obras tem como dispensar
instrumentos de medição. Traça paredes, encaixa canos, corta espaço para
conduítes seguindo uma matriz virtual que seus olhos veem. Fazer obra vira um
jogo de siga os pontos com a planta sobreposta ao vazio. Aplicações industriais
similares não faltam.
Realidade aumentada é uma internet sobreposta ao mundo. Passeie pelos
corredores de um supermercado, pegue uma garrafa de vinho, os óculos reconhecem
a etiqueta. A opinião de seu crítico favorito aparece. Na cozinha, a receita
escrita está constantemente à esquerda enquanto o chef amador corta cebolas e
frita o alho.
E, naturalmente, ter a internet assim traz possibilidades ainda maiores.
Nunca mais, por exemplo, o constrangimento de não reconhecer uma pessoa na
festa da empresa. O nome de cada um pode aparecer sobre sua cabeça, basta
pescar de um banco de dados comum e fazer o reconhecimento do rosto. Assim como
as aulas de ciências ficarão mais interessantes, com vulcões, órgãos
funcionando e tudo o mais aparecendo como hologramas no meio do espaço.
Há um motivo, porém, para que Pokémon Go só tenha aparecido agora e
seja, convenhamos, tão primitivo. As tecnologias que permitem realidade
aumentada já existem, mas não são portáteis o bastante.
Um dos problemas é energia. Realidade aumentada é pouco prática no
celular. O Google tentou criar seu par de óculos, era frágil. Há,
principalmente, pouco espaço para bateria. Outra questão é processamento. Chips
minúsculos ainda não são capazes de gerar imagens em 3D com qualidade. E o
rosto muda de posição a toda hora. Cada micromovimento é um redesenho do objeto
virtual. Mesmo com chips de celular é difícil e exige muito da bateria.
A maior dificuldade é localização. Celulares não são precisos o bastante
para registrar com o necessário detalhe onde estamos a cada segundo. Mas, sem
esta informação, a posição do objeto virtual não será clara e, assim, ele
parecerá flutuando. O GPS não funcionará, a planta do mestre de obras muito
menos. Realidade virtual chegará a nós bem antes da realidade aumentada.
Pokémon Go é o primeiro uso de RA com o qual a maioria de nós conviverá.
Como toda febre, provavelmente vai arder bastante e, em pouco tempo, irá
embora. Alguns outros jogos do tipo aparecerão sem repetir o mesmo sucesso. Mas
realidade aumentada mesmo, a de verdade, esta ainda demorará um bocado para
aparecer.